Acerca de
com os olhos de menino mudo
32 poemas escritos em 2019
« trajeto »
a subida da serra me decompõe
subida fria, apaga-me
e para reconstituir os fragmentos
— e as paisagens —
à luz de horizontes tremidos
distâncias incorrigíveis
das portas d’água até a enseada
um braço de mar escondido.
​
« serração cor de bronze »
​
dos tornozelos à testa
torneio-me campeão
e quando arrefece-me os pés
urram aflições
ciscando silêncios
descem-me véus
e sem luzes
sou o salto que se cala
na grama ressequida
uma nada…
só um refrão.
​
★
de bronze ovalada
no casco da memória
Eia, a sofrida gratidão!
resta-me baço
longas descidas
às vésperas das ilusões
quando fogos gemidos
rebentavam neblinas
tremeluzindo faróis
gritos e nuvens
suspensos na barra
apensos às naves
brios fumegantes
dos Santos e terão
nessas horas êxtases
que dos anos
se vão
— inglórios.
​
★
pisca-piscas
luziam
centenas de vezes
nas matas turvas
chuviscos
quase
verdesbranquiçadas
pisca-piscas ardiam
vistas cansadas
a noite tecendo
fileiras inteiras
travadas
pisca-piscas cruzavam
queimadas
de qual não se vê
nada
só
umas brasas
pisca-piscas
ciscavam
silêncios
no escuro
arvoravam
e os carros enfeitiçados
seguiam o bailado
viário
até o fim
nas cristas
do mar.
​
★
me cala
a estrada estridentes
estrelas
os ferros trepidando
siderúrgicas
no quase limite
dos verdes
me ouço puídas
auroras das muitas
e sobem-me eixos
entremeadas retóricas
pinos e
navegadas correntes
afora
o teu mundo estou
entre auroras.
​
​
« protonauta — decurso »
detidamente incerto
traça o mapa da angústia
como quem sai de uma terra
deserta de ontem
e salta nas claras espumas
das âncoras frágeis
supura com aço as cristas
tremidas e os olhos
surgidos horizontes possíveis
novos outros
instantes quilhados de mar.
★
mirar as águas tranquilamente
soprar as tardes respirando
os feixes dourados
trazidos do capim endêmico
restaurar a paz dos outeiros
ao norte de hoje.
Aiá,
Santa Catarina!
Somos desafeitos as serranias
com ou sem futuros
somos aquilo que faz a medida
das pedras visorizonte
Miserere Nobis!
Somos frontes, ombros e fortes
tranquilos remansos quase
à beira do sul e do norte
somos isso de ontem.
★
sendo de abraços traslados no tempo
Salve, Amigos!
em traços traídos de ventos
um pavilhão de memórias sonhadas
encontram-se vozes saídas
do porto vertidas em longos vestidos d’água
cetins e esmolas, quem sabe a forma
de viver sem partir, essa que me vai
descolorindo-se agora.
​
★
de onde baixava neblina
a memória estalava
nos encaixes dos trilhos
paralelepípedos
levam nos olhos tremidas as casas
centenas de anos histórias
restam
o sobrado, a esteira, a trave
e o signo dos Andradas
a assobiar nos córregos
imorredouros dos Santos
« protonauta — in-curso »
cruzam correntes
aos ventos e lentes
se entremeasse buscas
o navegante circundaria
ou ia circum-enfeixando
os brilhos nas cristas
e as luas
e os seus manuscritos
contudo
perder-se-ia na esperança
da quilha rasgando o mar.
★
reluto entre as coisas
irmãos,
ando por aí auscultando-me
paisagens!
os ruídos que me deixam vagar
esperançando pedaços.
​
★
folhas guardam
réstias e filigranas dobras e manchas
de um momento imenso
transcorrendo lá trás.
​
★
e o pátio naval
à espera do homem:
sua imagem riscada
jorra
no tanque de centeio-granel
(esmiuçadas vistas)
como estrangeiro
que perde o contorno
seu corpo é fendido
em múltipla perscrutação
é um homem no pátio
à espera de
verter-se jorrando
de volta ao tanque.
​
★
são quatro guindastes
emborcados no cais
pendulam
na alça do tempo aço
e é como se fecundassem
nas naves os cascos
bojudos inteiriços
não fossem tão amarelos tão
opunha o meu pênis de fora
e mijava eu mijava neles
mas
a mãe do tempo estronda os mares
ondula containers e hastes
ao contrário das naves
esses guindastes
copulam
no rapto quase
​
★
aços esticados
de suor e estrada
na faixa estreita do cais
corpos escalam
e os homens de cinta
martelos e facas
serrilhadas
serram seteiras
retraçam a malha viária
apertam ales encaixes
e frisos clampeiam os galhos
despem de alma
a avenida debaixo
com retorcidos aços.
​
« hommage »
a gilberto mendes (1922-2016)
alguém aponta o azul
na ponta do mar
vazada rebentação
na ressaca de outono
rumora os frios
hibernados d'hiver
ressentindo as águas
nos olhos e o dedo
em riste e o rosto
crispa no sono triste
sonha Gilberto ao Sul
insiste!
desse poema existe-
rá um outro horizonte
riso e anverso
que há
de Se transparecido
o seu o céu
zunindo
azulindo
zunirá !
★
a ilhota do casco quase
sem penas assemelha-se
a um triste urubu
e quando
na vazante se abre
alvéolos e fissuras
— umas tardam outras
que não.
lá
batem asas esgueiras
na maré um desvão
entre os pés incertos
Gilberto, escoam suas frases inteiras
flautas e penas!
​
★
transepto turva azuis
teus testigos de luz
e caladas as velas
sopram sequelas
mira! respira inserta
o teu fragor
em mil cacos amigos
fluirá sempiterno.
​
★
sempre terna fratura
ancora a realeza
do outono
quando o mar
se abraça aos rochedos
depondo lágrimas
de verão
em alturas
um tino febril
à luz dos invernos [frios]
brisam-me logo ali.
​
★
ouvido
é brilho ao fundo
unindo pétalas
e perfumes
cristalino perfura
largura das naves
— é fonte memória
e jazigo
por isso o que ouço,
aceito, contudo
e aceso me vejo
em tudo repleto
em
rumores e amores
escusos.
e canto
verdejo
sempre ruídos
oclusos
dou-me a pensar
os ouvidos dois cacos
obscuros.
​
« nasço »
noite tecida de inverno
no véu rumores e outros
pervagam
um grito
arfa
estival
exala afastado
paisagens das tardes de maio
★
e vamos mãos dadas no outono
que o árido da estrada sublinha
o veio tracejado no fogo da mata
nossa calma de angústia
macilenta é descida no campo
somos os áridos perambulantes
de casa em casa que somos.
​
★
nesse remanso se fecha
uma abraço quase
encanto
e a história prossegue
na mesma toada
distante
quando horizontes
fechavam os encontros
nas pálpebras à mil braças
do mar.
★
para as pessoas que amo
desencarnar amarguras
renovados olhos: te amo!
ofusca.
​
★
pelo trastejar das facas
a brilhar na cozinha
sei que nasci
e o som das espátulas reluzindo
as velinhas retintas
de outras passagens, sim
eu sei que nasci nas velas do bolo
e os guardanapos soprados
de engano eu vi
todas as eras em que
quase sorri, das casas e mesas
e os pés rangentes friccionando
sempre o mesmo dilema
de quem se faz um sorriso
sem fim ou um
solto delírio enfim — trrrim!
​
​
« a praça »
no alto parado a cúpula de prata
os ponteiros amarronzados
na curva gravada o tácito bordado
emblema ou neblina dos Andradas.
divisa ou não é clara:
acusa esta cidade
no registro de uma noite vaga.
— vaga vaga lua mundo
vaga lúmen vaga!
no cais alarmado um sujeito em brasas
recupera o silêncio da praça
e se arma veterano na selva de nada
colhe uns trocados cambaleando
avisa os que passam ou não:
imunda cidade
vestígio de uma noite alta
— vaga vaga lua mundo
vaga lúmen vaga!
o sujeito agora parece tristonho
caixas nas costas os outros
trançam correntes altas
e os olhos marejados tontos
— vaga vaga lua no cordame baixo
vaga lúmen vaga lua hic!
vagabundo vaga!
​
​
« Salão de Buda »
a cortesia e os olhos
me doem:
sutilezas re-nublam
os teus
afogados incensos
e cor azulscura fixa
nas portas sombras
retificadas
para que vibre
o salão da memória
o bronze
e logo eu você
e quem sabe essa roda
viddharma
restaure os giros
das portas:
entre os olhos fechando
agora
seus piscos de padme hum.
​
​
« a dois »
nossas datas se encontram
esquecidas
escoam no tempo de todo silêncio
despidas
nossas datas confrontam
mentiras
proam no centro das ondas fremidas
aflitas de mar.
​
★
depressa! faz de conta
que a vida é bruta
vire a fera
troa no surto
um
surto profundo
coletivo e crú
teu feto-grito
hirto!
dexasperançado, frua!
​
★
no surto nos reformamos
estátua, transcritos em goma
suja este teu poema um
— fino retrato
das pedras a nudez
de passados quase que fartos
a vida é rum-ruminar.
diga alto lá!
​
— máquina reentrante
fendida na estante
empoeiradas estreitas
dobras e margens
no horizonte da forma
contudo,
revirei esses túmulos
e achei meu visionamento
futuro, o que faço sou
teu rumo fecundo
acolha-me tu, agora
sem não, eu afundo!
​
« silêncio »
após Fernão Mendes Pinto
ter outro tempo para sangrar
extemporâneas as tuas
outras feridas.
e erguendo-se em prol de tantas
perlaborar teu senso silente.
navega-te entremeadas
tuas flutuantes correntes.
de vinte-um-anos clausuras
levanta a bandeira rasgada
impõe o teu
​
e reticente desdobra itinerários
de antes, das naus e ferros
ao sul do Oriente, sonha
os teus filhos descrentes.
​
« cogitação »
​
as minhas figurações talvez me pertençam
ou a elas me enrosco transgeracional
aliviado talvez
pelo deserto certo que sei
a chorar as minhas perdas
quem sabe desentristecerei
a fazer deste hypo-torturante declínio
o meu lugar escondido
onde cantam os românticos
afundados no estreito canal
dos juízos terminais
​
assim,
me desmodelo de pronto.
​
Let’s Work Together
Get in touch so we can start working together.