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Shadow on Concrete Wall

P
O
ESIA

T F
O E R A

poemas sem lugar 

com os olhos de menino mudo (2019)

trajeto

a subida da serra me decompõe
subida fria, apaga-me

 

e para reconstituir os fragmentos
— e as paisagens —
à luz de horizontes tremidos
distâncias incorrigíveis 

 

das portas d’água até a enseada
um braço de mar escondido.
 

« protonauta — decurso »

detidamente incerto

traça o mapa da angústia

 

como quem sai de uma terra

deserta de ontem

 

e salta nas claras espumas

das âncoras frágeis

 

sutura com aço as cristas

tremidas e os olhos

 

surgidos horizontes possíveis

novos outros

 

instantes quilhados de mar.

« protonauta — in-curso »

cruzam correntes

aos ventos e lentes

 

se entremeasse buscas

o navegante circundaria

ou ia circum-enfeixando

os brilhos nas cristas

e as luas

e os seus manuscritos

 

contudo

perder-se-ia na esperança

da quilha rasgando o mar.

serração cor de bronze

dos tornozelos à testa
torneio-me campeão

 

e quando arrefece-me os pés
urram aflições

 

ciscando silêncios
descem-me véus

 

e sem luzes
sou o salto que se cala
na grama ressequida
uma nada…

 

só um refrão.
 

★

mirar as águas tranquilamente

soprar as tardes respirando

os feixes dourados

trazidos do capim endêmico

 

restaurar a paz dos outeiros

ao norte de hoje.

 

Aiá,

Santa Catarina!

 

Somos desafeitos as serranias

com ou sem futuros

somos aquilo que faz a medida

das pedras visorizonte

 

Miserere Nobis!

 

Somos frontes, ombros e fortes

tranquilos remansos quase

à beira do sul e do norte

somos isso de ontem.

★

reluto entre as coisas

 

irmãos,

ando por aí auscultando-me

 

paisagens!

os ruídos que me deixam vagar

 

esperançando pedaços.

descida

me cala

a estrada estridentes

estrelas

 

os ferros trepidando

siderúrgicas

 

no quase limite

dos verdes

 

me ouço puídas

auroras das muitas

 

e sobem-me eixos

entremeadas retóricas

pinos e

navegadas correntes

 

afora

o teu mundo estou

entre auroras.

★

sendo de abraços traslados no tempo

Salve, Amigos!

 

em traços traídos de ventos

um pavilhão de memórias sonhadas

 

encontram-se vozes saídas

do porto vertidas em longos vestidos d’água

 

cetins e esmolas, quem sabe a forma

de viver sem partir, essa que me vai

descolorindo-se agora.

« transbordo »

e o pátio naval

à espera do homem:

 

sua imagem riscada

jorra

no tanque de centeio-granel

(esmiuçadas vistas)

 

como estrangeiro

que perde o contorno

seu corpo é fendido

em múltipla perscrutação

 

é um homem no pátio

à espera de

verter-se jorrando

de volta ao tanque.

que escritura?

uma breve nota sobre a poesia :: algo por volta dos meus vinte pensei ser um poeta. Cheguei a escrever e destinar um envelope fechado, bege, lambido, para a porta de um instituto de letras em Santos, num dia quente em que me disseram ser o último para inscrição no concurso de poesia da cidade; fiz... e minha mãe de tão contente, com olhos de fogo, quis dizer, no dia, de todos os poemas lidos no palco dos vencedores como eram horríveis ― talvez quisesse dizer: “insensíveis!” ― já que para ela os meus poemas erma melhores, e "um dia seriam reconhecidos”, ela minha mãe dizia, como a minha escrita era sensível, bonita, límpida, e aí sim, eu teria já preparada a minha subida, um zé ninguém a um ilustre conterrâneo, um saudosista (ou banhista) convicto, um outro poeta do mar, adolescências... Foram-se muitos anos e eu ainda insistia, sozinho, ou com bem poucos amigos, um verso, uma quebra de parágrafo para enxertar num texto anotado de aula, um acúmulo de frases do tipo reflexo às margens de livros e xerox, garranchos em bloquinhos sem vergonha, e por aí, com tanta marginalia acumulada a poesia foi me circunscrevendo, lentamente entrando onde não era bem vista ― no caderno de graduação, nas notas e os blocos de pesquisa, nas páginas de filosofia, nos títulos das músicas que eu compunha, nos subtítulos sisudos da academia, pontos e vírgulas, na dissertação, nos rodapés, na tese “da música”, em tudo transpirava a arte da tergiversar; eram múltiplas evasivas, rodeios sem fim, enrolação das falas diante das citações vazias de pragmatismos, dos nadas que eu tomava como fortes asserções das imagens de um grande poema violentado por blocos de dizeres compulsórios que acorrentavam-me à letra fria especializada; e assim eu ia de linha em linha nada dizendo (cientificamente errático), apenas certificando-me cada vez mais de permeio a invasão da poesia em tudo que saía de mim — uma dissertação, uma tese, três artigos, muitos projetos, dois recusados por excesso de poesia, pareceristas cansados contra-os-lirismos, mais de um, disseram que meu mal era o das frases apostas, alusões, imagens, de tudo eu padecia de muita literatura e pouca ciência; para me livrar-me de uma só vez e concluir os processo a contento era ponto pacífico retornar à linha reta, à frase curta-contida-objetiva, às citações, às normas ABNT; nunca o consegui… Cansava-me no segundo parágrafo, quer de uma leitura, quer de uma tentativa de escrita acadêmica, e ainda me canso; hoje à toa…  pois nem mais preciso de tanta agonia e delírio; as sombras recolhidas mostraram-me outras paisagens por onde pervagar o meu universo mágico, semifictício, da vida. 

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