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Acerca de

Poesilado

32 poemas

¦ nota de desvio¦

 

Levando em conta que a poesia não flui no tempo, ao invés, tenta a todo custo interrompê-lo para firmar-se em pontos singulares de extração — a jóia do tempo — os poemas aqui reunidos refletem essa tentativa audaciosa de circunscrever os tempos que me atravessam diariamente, confeccionando certos aparatos para sustentar a ilusão de uma passagem. Alguns deles ficam retidos dias, meses a fio, até completar ciclos de insistência, e então morrem, definitivamente. Cristalizam-se extemporaneamente! e é  assim que inicia o meu trabalho, quando toda falsa nobreza de sentimentos cede lugar ao que resta de inaproveitável, não raro, insuportável. Desse modo, processa-se a transfiguração. Todo aquele material derrisório se converte em carvão para na fogueira do intelecto, a transparecer algo bruto, forte e inquebrável. Acredito firmemente que a boa poesia é aquela que busca vencer a morte entregando-se de braços abertos a ela. — 26 de novembro de 2021.

 

 

« poesilado »


 

i.

poesilado me finjo estranho 

ao que se move entre 

montanhas de lixo

 

fito

coisa alguma

eis o meu limite:

 

— sigo postulando 

fingidos declínios

 

ou veria o

 

mundo 

que só estorna

defuntos por escrito.


ii.

pois

poesia segue a via 

indiscernível para

infinita 

indistinta e

 

enquanto 

a indústria social insta 

iludidos

a transcreverem 

pífias ousadias 

percevejo o fim.

 

iii.

e logo sinto no peito uma 

batida fina

transclara

 

e sigo a risca ou 

nada me fica 

em registro

 

senão a escuta

pontuadamente

sem lastro: 

 

iv.

ao tecer em tecido

o ouvido

ressinto o

fluxo restrito

ao texto e

entrescuto

fixo

o pulso de ofício

Isso(facto)

nas linhas

mudas

transluzindo virações

sentidas 

vertidas

ora transcritas.

 

v.

e enquanto

a casa renuncia a

esperança de ficar em

casa casado com

instâncias improdutivas

 

— on-line-off ...

 

de saída nenhuma medida

que não ou sim a esvane

-scente essa temida saída

do quarto-cozinha-e-sala

 

de resto 

o metro quadrado 

um

oprimido espaço 

de esguelha com

raios solares 

retidos

riscando o riscado 

ao lado

da porta de 

perpétuas entradas

nunca saídas.

 

— on-line-off ...

 

instrumentalizar

zapeando prefigurados

_presets-on_ destinos

 

 

entra palavra ou _sai-e-_

_desentra_ vocábulos

respingos de telas

 

sempre maximizadas

mimetizam lapsos

 

a espera dum

abraço expandido

no tempo um

solto sonho relido

 

enquanto

sangra a pandemia 

transcorrerá 

aos pés liberando

o infinito.

 

vi.

casa

isso às claras 

nada

 

um substantivo

reflexos e

batidas 

no soalho

sombras 

entre armários

repetem

a casa ao inverso

 

 

« errante em busca do pulso »

 

i.

alguma sombra 

de música 

reduz 

minha ciência 

oculta (-me) com ela 

e se instalam

espasmos

apartes

responsoriando 

futuros 

 

fixo limite da 

forma rude

que vem 

a ser o silêncio 

de música 

surda

em tempos

esses

de outras povoações

mudas

 

não sei que

presciência ser

quem sabe

o futuro

nos ultrapassou 

em tudo.

 

ii.

 

finos espaços de luz

nos altos 

murmúrios altíssimos

 

no sax alto tremulando

os ossos

fixos os tendões de ofício

estridentes

 

e a carne múltipla

fibras ressoando

restos

milimetricamente—enharmônicos

 

performance distante

continentes, cruzes e 

horizontes outros

 

iii.

 

salta-me 

a tremeluzir nos olhos 

pálpebras 

a interceder na calma

solenemente 

traumas 

a paga de cada um

de nós nos outros norteia

salta

a tracejar espaços

discretamente 

alma.

 

« coração »

 

meu coração rebate um outro em teoria

ex-pulsa palavras 

expele espaços

esboça uma sístole diastólica 

 

de onde o lugar

essa heterotopia frágil 

hesita em revelar seus fantasmas

 

e as aporias 

de uma outra síncope ressentida

farpam os sentidos

 

em plena ferida

debatem-se a peito aberto

transcritas arritmias 

 

cantar 

ou riscar palavras?

entoar 

ou sublinhar o som?

pronunciar 

ou verter sonora-

mente o processo-palavra

… auscultar?

quem sabe

 

e apontar enquanto 

precisamente 

o senso em riste

seja umas das faces da luta 

 

talvez… desparasitar o sopro ávido… verter-se por declínios.

 

« palavras »

 

uma zona escura 

onde o poema não alcança — são as palavras 

que pervagam a fonte eterna do claro — circum-velando

e

outra e uma luminescência à distância

— a criptografar estes versos incertos — ressaltar

coloridos reversos inaglutináveis 

ecos 

desconexão 

continente de ideias

 

 

as palavras abrem espaços

na pele frágil do tempo

enquanto é silêncio 

perseguem-me e me ferem.

 

o que trago num poema

nunca o sei até que

as palavras consteladas

a intervalos puros

circunscrevam o

que me afoga no múltiplo

 

um contraponto riscado

pautas atravessadas

sugerem um piscar das pálpebras

e os olhos ilhados fixos

na brandura das imagens

desnorteiam o futuro

conforme as variações 

renascidas em poema luz.

 

até que venham à tona 

nas franjas desse arranjo

a melancolia distante

enquanto

na claridade do próximo

vivo neste espaço

restrito de hoje

agora 

ou antes.

 

 

« oficina doméstica »

 

i.

 

Toda poesia 

desobjeto

 

Toda pandemia 

arritmia de ideias 

 

Toda fantasia — se reveste 

de uma parentalidade incerta

 

Assim somos sem fé 

apenas o gesto 

que trabalha a pedra

 

talea e martelo

repercutem o poema

de ferro.

 

ii.

 

o tempo fechado 

em meu peito

sedia passados

 

largou-se

fundo no claro 

lembranças exatas 

repercutem em meus passos 

 

sou como que uma repetição de atos

herdados paripassu.


 

iii. 

 

mas

entre um morto e outro 

nada 

só a estranha urgência 

de tudo

 

pára-me quase 

tantas

estreitezas em curso

— um oásis!

 

dizer até o que

embota essa sensação 

de futuro 

 

em eco fraco 

(de ousadias) inserta

e reseta os muros

 

provisões 

de uma solidão desavergonhada

e surda

ou

estranheza 

quase serena 

não fossem essas 

 

exclamativas reticências

perfurarem-me

em pleno escuro.

 

 

« postulado »

 

a.

 

na poesia o objeto é o que cria(dor) 

as palavras ferem o silêncio as anula 

palavrório senciente estupor em flor 

 

as variações mudas e renascem verbos

palavras elas rasgam teu gesto 

de outras tantas perscrutam-te cores

 

inscrevem linhas nesse estranho Ocidente! e pesa extrema alma e 

densas nebulosas vertem existências enquanto houver a dor

um resquício olve.

 

b.

 

a escuta resguardará sentido quando 

reverter nas coisas calmas o brilho 

da mudez germinal

ou

em sobrevoo dis(re)cursivo só entonar rumores 

a futurologia sem dobras 

enquanto é todo real que se desloca.

 

 

c.

contra a realeza da história 

a positividade tóxica — destronada a ilusão compulsória 

na conversão das diferenças 

supera em pauta as formas 

sociais da excrescência

fechando os espaços 

confinando existências 

de onde fende o verbo (este reflexo

de nexos) e colapsam os versos — se inscreve 

nos ecos — remanesce a poeticidade do incerto 

redobrada às sonoridades que o cercam.


 

« epígrafe do social » 

 

vamos sempre parar no ponto 

em que a solidão não combate a miséria

só atenua de ilusão em ilusão 

(a solidão) é memória no que encarcera.

 

« a ilusão biográfica » 

o que me sobrescreve em luta interna

são as linhas que me perseguem 

ou que delas sou o seu prescritor

quero deixá-las enquanto sou feito de guerras.

« vírus vênus exílio » 

 

uma constelação 
sem brilho
vagam no cosmos corpos 
exilados de espírito

 

restos esparsos 
sem vida 
propagam ecos escassos 
antes ativos

uma escuridão 
sem lastro
fere lasciva nociva 
nas bocas do inferno orbita

cospe dejetos
em vida (ou sem)
e
corpos apagados 
invisíveis se vão 
sem despedida
constelações desferidas

 

vozes pífias veladas 
no escuro das salas
enquanto algozes 
prenunciam 
a vinda do messias 

 

— todos os dias!

 

rezam informes vazam 
nos raios notícias 
mentiras 
assomam delírios 

 

vírus vênus exílio 
então, vieram os meninos 
filhos do ódio — uns cretinos!

 

o primeiro primou pelos
delírios — homicida!

o segundo
de plena voz do facínora 
destilou toda a hipocrisia 

 

o último da fila tímido 
fechou-se nas portas de
um dos fraticida

 

e

pregam o canto messias 

— todos os dias!

(incompleto)

 

« reentrada »

 

i.

entre o natal e o ano

a reestreia do mundo 

 

enquanto suspenso

em trânsito

o ano — inquietante 

resiste a denúncia 

 

a memória translada

entremeada no impulso

retórico

atenua a entrança

 

distante é agora

a ceifa em que agonizam

todas as horas-em

memórias abruptas

 

nas formas provisórias 

redobram-lhe os futuros 

e os véus desatam

em múltiplas camadas

 

E assim dizem:

fingimos a esfinge em

todos os instantes

o ano que nunca acaba

     a vida que resta 

     a véspera que exaspera 

anoitece antes.

 

ii.

 

do ano suspende 

o mundo

todos os instantes 

 

entremeados no ontem 

à espera do impulso 

confrontar-se com o novo

 

do amanhecer anterior 

reveste-se

os velhos tempos do sonho

 

entrincheirados entre 

natal eo ano novo 

entretanto

assistimos 

perfilados 

os nossos desejos 

tocados 

pelas gotas da chuva

ou ouro.

 

« visões »

hesitar 

entre o som da cachoeira

e o sentido da queda 

arcaica do véu

borbulhar cintilações 

repetidas vezes 

decretando o seu 

fim.

 

regurgitar 

em verso rasteiro 

o sentir estrito 

de uma era

confirmar a espera 

na sensação 

do indevassável outro

nublando 

todas as reflexões.

« confesso »

 

talvez 

emudecesse em mim

aquilo que me carrega

de volta à poesia

 

não fosse o hábito de dizer

o que me toma aos respingos

em experiência contínua

aflorar entre interditos!

é que

soa-me a voz que troa

em espaços ínfimos

de um rejunte fino

urge dilatar-se a tempo!

entre os tijolos brutos

surgem os primeiros brotos

as primeiras luzes da poesia

 

na extrusão das palavras

filigranadas lentamente

expandem-se suas cores

plurisonoras

a polvilhar todos os poros!

do corpo falado aqui

esse então

preenhe de fissuras 

e micro feridas.

« fuga e refúgio diante paisagem perdida  »

 

i.

 

há forma no idílio

sonoras provisões que informam

a cada mata fechada, a cada clareira inexata

o risco sonoro da aventura 

— densa-bravata de ofertar a quem

(a outro antes de mim) se reserva 

ao brilho do desconhecido.

 

ii.

 

fluxos paralelos desaguam

ocasos e noites tecidas 

em ruídos folhagens

aragens percutindo

grilos estrelas-riscadas

e a noite exala uma e outra

grata cena

a dois passos e a meia distância

um arco de prata banha

o orvalho aos olhos que espraiam

 

iii.

 

as pausas fermateiam o silêncio

pluri-estridente os gritos

fixos nas cascas e carapaças

lunares a reluzir

em estado de arte quase

o frêmito esquálido 

dos olhos-orvalhos conjurados 

no clímax selvagem

toda a razão do sobrevoo 

do transe a que chamamos de espírito


 

 

iv.

 

se somos o preenchimento de esteiras

torcidas como quem torce os excessos

para delas tirar-lhes as moléculas raras

 

se somos os vultos indecisos

declinações sem (ou pouco) sentido

nada há que nos diga o ponto

exato de nossas paisagens em declínio

 

avançamos como quem se desnorteia

incerto do verso rabiscado nas terras

para ver o tombar do verbo calcificado 

diante os nossos trajetos equívocos

 

e assim pervagamos de trilha em trilha

para restaurar-nos ao sul e ao norte 

de ontem com a palavra que nos devora
de pronta medida de uma só vez agora.

 

v.

 

navegados sentidos perdem no brilho

todos os ruídos — e há quem diga

"siga" para nunca mais ouvi-los!

 

mas cada brilho prescrito,

repousado, flutua a meia medida

das palmas que colhem coisas

do antigo. Saberá como refazer-lhes 

a reescritura, forjar-lhe outros declínios? 

 

vi.

 

as casas narcisas do outro lado

desestabilizam o mundo 

despedaçam os muros, predadoras inertes,
dessensibilizam os olhares mínimos

na latência da vida em cidades transitam
da mata ultrajada, deltas e mangues
invadidos, para desmarcar 

o nome Mãe Terra aos pé
de nossos filhos esquecidos.

escansão interna ¦ pós-ética

 

teremos outra vez aquele silêncio?

as dobras e sombras da existência

teremos? 

 

outras horas de lutas e ressentimentos

vozes conflitos persistências

teremos? 

 

teremos outra vez aquela luminescência?

que aos sonhos e sorrisos insistíamos

teremos?

 

outras febres da escuta 

de tão velha e fatigada a ciência

teremos?

 

teremos força frente ao riso demente?

que acossa e vibra entre-dentes

o gosto amargo da negação

teremos?

 

outros muitos dirão — passará, passará!

somos muitos, somos mil ou cem mil

e quinhentos — gritando e rugindo

teremos?

 

teremos outra vez aquele duplo tropeço 

religiosamente sereno Buda levitando 

mudras em estado de presciência

teremos?

 

outras vozes entrevejo entre paredes

enquanto se deseja o desesperado

outro presente a frente

teremos?

 

múltiplos seres feitos de silêncios

microagulhadas na pele crispada do tempo 

teremos?

 

Ter (ao acaso) inverteremos

nossas dúvidas em resistência?

 

duvidar 

do que não possa existir

renegar 

ao que se deixa invadir

relutar 

de mãos plenamente vazias

diante a febre estúpida 

do desejo desvir?

 

teremos ainda aquilo aquele sorriso 

eterno de nossas crianças?

 

… em outra medida arqueja

signo próximo de ter esperança em ...

poemas, se acaso convir?

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