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2° Qin Yaji【雅集】online de guqin

« a lenda de Boya e Ziqi »


Aconteceu no dia 02 de outubro o 2° Qin Yaji【雅集】da Associação Guqin Brasil com a musicista convidada Peiyou Chang 張培幼 da New York Qin Society. A data foi escolhida com o propósito duplo de celebrar a tradicional Festa do Meio Outono (Festa da Lua) e os 20 anos da NYQS.




2° Qin Yaji 【雅集】encontro online da Associação Guqin Brasil


O segundo Yaji foi dedicado ao conceito de amizade ming vinculado à lenda de Boya e Ziqi, dois personagens entrelaçados pela história do qin.


No programa dividido em três partes — (1) performances musicais — (2) bate papo sobre o qin — (3) comunicação artistica — contamos com a participação de Peiyou Chang da New York Qin Society, atual supervisora internacional da Guqin brasil.


Foram apresentadas as performances da peças « Garças e gaivotas pairam no ar 鷗鷺忘機 Ou Lu Wang Ji » por Peiyou Chang, « Primavera flui entre os seixos 石上流泉 Shishang Liuquan », « Canção dos pescadores 欸乃 Ai Nai / Ao Ai » (1549/1879) ambas por André ribeiro, e « O pescador bêbado canta ao anoitecer 醉鱼唱晚 Zuìyú Chàngwan » na interpretação de Victor Pádua, e que retrata uma noite enluarada a beira de um lago.


Das quatro, três delas possuem notas introdutórias em alguns manuais de qin, tal como segue abaixo:


 

PERFORMANCES


« Garças e gaivotas pairam no ar » — "Oulu Wangji é baseada na fábula de Lei Zi, Huang Di. A palavra "Ji" 機 significa "oportunidade". No contexto da frase significa "tirar vantagem das situações". "Wang Ji" 忘機 significa "abandonar, desapegar", e portanto, "desapegar-se da ideia de tirar vantagem das situações", "de sustentar situações enganosas". Por sua vez, o termo "Lu" 鷺 refere-se às garças e gaivotas na seguinte história:


« Havia um jovem que gostava de gaivotas [pairando no oceano]. Elas estavam tão acostumadas com sua presença que voavam bem perto, e assim, ele podia acariciá-las. Seu pai percebeu isso e um dia disse-lhe:"Por que você não me traz uma ou duas gaivotas para que eu também possa apreciar olha-las?" No dia seguinte, o jovem voltou ao beira-mar para tentar ver se conseguia pegar alguma. Mas tão logo a ideia surgiu em sua mente, todas as gaivotas voaram alto demais e nunca mais desceram até ele como antes. »


Esta história nos diz que uma mente oportunista pode ser sentida por outras pessoas. Mas se deixarmos de abrigar tais pensamentos podemos viver em harmonia com a natureza e os outros.


alguns comentários (meus)

Decorre dai o título da peça « Garças e gaivotas pairam no ar » cujo sentido reside no desapego das ideias e intenções. Os pássaros representam as ideias soltas no ar; sem se ater a elas, conforme François Jullien, o sábio não tira partido de nenhuma. E, portanto, mantém-se em estado de tranquilidade e equanimidade perante as transformações do real. A vida como sequência ininterrrupta de acontecimentos não cessa de produzir oportunidades para a mente inquieta. Contendo-se, e assim evitando ser capturado pelos acontecimentos, o sábio abstem-se de participar e ser enredado pela trama da real.


« Garças e gaivotas pairam no ar » retrata o tema do desapego das ideias diante de um mundo que não cessa de se transformar. E também, de outro lado, indica adesão à natureza como espelho da prática do qin. Quem acompanha o ritmo natural, vivendo de maneira simples, pode encontrar calma e concentração em todas as atividades.



« Primavera flui entre os seixos » — é uma das peças do repertório ligada à lenda de Boya e Ziqi. A peça é evocativa e representa o desejo de estar envolto pela natureza, o músico sentado a beira de um regato iluminado pelo luar. A gestualidade e as características estílisticas nos diz ser daquelas composições em que o instrumentista suspira a cada passagem entre as cordas.


A peça sobreviveu em 20 manuais, de 1525 a 1894, e foi baseada no poema de Liu Zongyuan 柳宗元 (773-819) ao evocar um córrego cristalino que poco a poco traduz a presença da primavera. Porém, é no manual Xilutang Qin Tong 西麓堂琴統 (1525) que encontramos uma descrição mais significativa da peça:


« Esta melodia foi composta por Bo Ya. Expressa o sentimento de estar entre montanhas e rios conectado às nascentes e rochedos, entre as falésias e riachos frios, pérolas dançantes em cascatas em faixas, captando a imaginação das pessoas. Se você prestar atenção continuamente ao significado da melodia verá que ela tem a beleza natural do céu e da terra fluindo juntos. »


[Original em Chinês] :: 此曲亦伯牙所作。蓋其寓情山水,結盟泉石,恍若懸崖寒溜,跳珠瀑布,奪人心目。詳玩曲意,真天地同流之妙矣。


O comentário expressa claramente suas características idílicas, associadas ao desejo de gozar de tranquilidade e felicidade plenas. O cenário natural expressa o caráter amoroso no que revela de acolhimento materno e forte associação com a quietude. Note-se que a terceira seção da peça, após o transcorrer inicial das águas pendentes, introduz um movimento de dança, breve mas caloroso; um estado de excitação passageira que renova a interpretação, logo acolhida no leito das águas fluídas. A seção final em harmônicos cristalinos restitui a calma inicial da peça noutra coloratura.

Após Primavera flui... fiz uma breve exposição sobre o caminho de preparação da peça « Canção dos pescadores 欸乃 Ai Nai / Ao Ai » (1549/1879) notando o aspecto indiviso do gestual nas linhas melódicas. E fiz uma crítica breve quanto ao estudo seccionado (em partes) de algumas peças do repertório, pelo que neutraliza a fluidez características das melodias ao qin.


Dentre os resultados na inserção do qin no sistema de conservatório chinês, aos moldes europeus, os métodos de estudo, centrados na divisão formal de uma peça em partes que se pode (e se deve) estudar separadamente, desabilitou o músico moderno a compreender a característica central da performance ao qin: a fluídez na articulação temporal.


Mais do que estruturas rítmicas conjugadas, as melodias do qin são feitas de gestos indivisos que devem ser absorvidos e retrabalhados pelos intérpretes. Peiyou fez notar a este respeito: "dentro de uma estrutura melódica, com ponto de partida e de chegada definidos, pode-se caminhar ritmicamente ao sabor dos afetos e sensações produzidas pelo intérprete". O ritmo contraposto à ordem do tempo da música clássica europeia, contraria a própria noção de ordenação temporal. A rítmica do qin é antes um gestual que exprime uma qualidade íntrinseca ao tema subjetivo de uma peça do repertório do que resultado rítmico da combinação das partes, frases e motivos.


É dizer que o ritmo no qin não é medida — ou pior: batimento de um pulso, que no geral corrói a interpretação da peça —, mas uma produção melódica indivisa e fluída equivalente ao delineamento de uma paisagem que se pretende evocar. Neste sentido, o intérprete se adequa a imagem sonora (por ele produzida) que irá definir a regulação de seu gestual, ou isto: o como ele irá transitar entre os tons e as cordas, a que velocidade variável, com o qual intenção expressiva.


Daí seguimos para a terceira peça do programa.



« Melodia da balada dos pescadores » — a terceira peça do programa, igualmente associada às aguas, difere apenas pelo enfoque na ação do personagem, "o pescador bêbado". Conforme o prefácio do manual de qin Zheyin Shizi Qinpu 浙音釋字琴譜 (1491)


« O Imortal Além dos Sons, diz: esta melodia se originou de uma criação de Liu Zihou. O manual da realeza ancestral não contém essa melodia. As pessoas a acrescentaram posteriormente para dar forma à sua estrutura e ampliar suas melodias. Ela expressa o prazer à beira dos rios e lagos, livre das restrições mundanas. Somente pessoas que fogem da fama e evitam a sociedade são capazes de discernir que esta é uma música da mais alta importância. Eu acredito que essa qualidade é muito melhor do que em todas as outras músicas ».



COMUNICAÇÃO ARTÍSTICA


Na terceira parte do programa fiz uma leitura crítica da lenda de Yu Boya 俞伯牙 e Zhong Ziqi 鍾子期 sob a perspectiva do conceito de amizade intersecionada pelo qin no período Ming (1368-1644). É especialmente importante rever a lenda pelos olhos ming, pois que discernindo-a da cultura esotérica usual surgem questões ligadas à identidade artística ao qin, e suas afirmações, como ato de recusa ao presente.


Isso porque a época dos Ming foi marcada pela história da expansão comercial e crescimento das metrópoles rearranjadas em torno de mercados e guildas comerciais. A euforia pública combinada a rápida adesão aos novos modos de vida baseados na fabricação e consumo de produtos — especialmente, aqueles oriundos dos mercados de antiguidade — abalou a confiança em torno das instituições, no que estas vinham assegurando, até então, a ligação entre o passado ancestral e o presente.


A velocidade das transformações, sobretudo, e surgimento de zonas comerciais urbanas, acarretou no temor da perda gradual do cultivo da ancestralidade representada no qin — haja vista muitos intérpretes passarem a trabalhar profissionalmente em festas e eventos nos mercados de antiguidade. Na percepção dos letrados ming, a arte do qin, situada numa relação de consumo mais do que de cultivo, entrava num processo de degradação.


Nesse contexto, o esforço literário de alguns escritores ming em reavivarem a lenda de Boya e Ziqi traduziu-se como divisa da preservação e resgate dos valores indissociáveis na antiga arte do qin, dando início a uma forma de resistência cultural a partir de movimentos isolados da principais editoras da época em salvaguardar documentos históricos do qin. A reação foi tão intensa que gerou um legado substancial na reimpressão dos manuais do qin que abastece os intérpretes até hoje.


Logo, examinar as narrativas ming a luz do contemporâneo, assim me parece, torna acessível um conjunto de questões remanescentes, dentre elas, a liberdade e auto-governo da própria indentidade, no que parece constituir-se enquanto fruto de relacionamentos de amizade de encontro ao qin.



O 2° Qin Yaji foi encerrado com um bate-papo com Peiyou Chang, mediado por mim e Victor Pádua.


Abaixo a sinopse publicada nas mídias sociais:


 

SINOPSE


Nesta sexta-feira 02 de outubro acontece o 2° Qin Yaji【雅集】da Associação Guqin Brasil com a musicista convidada Peiyou Chang da New York Qin Society. 


A programação está bem legal com três peças do repertório clássico, exposições históricas, arte e cultura.


Quem quiser participar basta se inscrever pelo número :: +55.11.95918.7183



Qin Yaji【雅集】2° encontro online de Guqin

*tema*: « liberdade, a lenda de Boya e Ziqi »


| Duração 2h |


*1.PERFORMANCES MUSICAIS*


*Peiyou* Chang (New York Qin Society)

« 鷗鷺忘機. Ou Lu Wang Ji » (Garças e gaivotas pairam no ar, 1525) [4 min]


*André* Ribeiro (Associação Guqin Brasil)

« 石上流泉 Shishang Liuquan » (Primavera flui entre os seixos, 1525) [5 min] — "sobre o gesto". « 欸乃 āi nǎi » (Canção dos pescadores, 1549/1879) - preparação e caminho de estudo [10 min]


*Victor* Pádua (Associação Guqin Brasil)

« 醉鱼唱晚 Zuìyú chàngwǎn » [6 min]


*2. QIN TALK* : bate-papo com Peiyou Chang [10 min]


*3.COMUNICAÇÃO HISTÓRICA*

« o tema da amizade na lenda de Boya e Ziqi » (30 min) — André Ribeiro


*Pré* REQUISITOS

Interesse em cultura chinesa. Gosto pela discussão em torno da formação de repertório. Conhecimento geral sobre músicas e manifestações culturais.

Idade: livre.


> *02 de Outubro às 18h30* <






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