Música chinesa em São Paulo
Em janeiro de 2020 organizei um curso em duas aulas no Centro de Formação do SESC, com a produção de Magda Pucci. O relato sinopse comentado vem abaixo.
// Juliana, flauta de cabaça Hulusi e Tony Lee, órgão de boca Sheng
Em São Paulo tem música chinesa. Prova disso são os três grupos profissionais atuantes na cena cultural, Ensemble Gaoshan Liushui, Grupo Rio de Primavera, e Associação Guqin Brasil. Juntos formam a tríade atual na difusão das tradições musicais da China em São Paulo.
Em janeiro de 2020, buscando uma forma de conectar esses grupos, apresentei a proposta do curso Seda e Bambu ao Centro de Formação do SESC, com a produção de Magda Pucci (Mawaca).
Estreamos em 9 e 10 de janeiro no formato de dois encontros organizados em (1) Tradições Musicais de Norte a Sul, (2) os Instrumentos Musicais Chineses e Repertório. Cada encontro, com 2 horas de duração, abordou aspectos fundamentais da música chinesa ao longo de sua história, conduzindo os participantes ao universo dos símbolos e significados que permeiam o ideário da música chinesa.
O curso contou com a participação dos músicos Cintia Harumi e Nelson Lin (Ensemble Gaoshan Liushui) e Juliana Wu e Tony Lee (Grupo Rio de Primavera).
Foi uma rara oportunidade de assistir ao vivo e a cores músicos intepretando clássicos do repertório, numa escuta permeada com comentários e referências históricas.
OBS> Segue abaixo a sinopse expandida e roteirizada do curso.
e para saber mais sobre os instrumentos chineses acesse o link >
objetivos:
Cartografar e apresentar um itinerário das tradições musicais que permeiam a cultura chinesa.
Apresentar um panorama vivo de suas músicas por meio de escutas e performances (ao vivo).
Construir capacitação quanto a escolha de repertório para oficinas e salas de aula.
1o Encontro > «Tradições musicais de Norte a Sul» Foi dedicado às tradições musicais que floresceram ao longo do Rio Yangtze da nascente ao Norte nas montanhas de Qinghai até desembocar nos mares do Sul de Xangai. Cada uma delas é ilustrada com exemplos musicais e imagens. Seguindo o percurso do rio apresentei a música chinesa a partir de seus dois berços civilizatórios, ao Norte e Sul, suas conexões e trocas culturais em torno de quatro culturas tradicionais: Chaozhou, Minnan, Hakka e Cantão. O encontro contou com performance minha ao guqin e na guitarra da lua (zhongruan), e também dos músicos convidados: Cíntia Harumi, flautas de bambu e Nelson Lin, cítara de martelo Yangqin.
ROTEIRO (resumido) >
1. Conceito Norte-Sul
Migração: das culturas imperiais do norte em direção ao sul.
Transferência: simbólicas de centros culturais e econômicos (cidades).
Difusão: do confucionismo como prática regulatória da sociedade.
Ancestralidade: identificação e pertencimentos de raízes ancestrais.
2. China Antiga
Culturas neolíticas: sociedade agrícola em rápida expansão hierárquica.
Rio Amarelo e Yangtze: povos nativos às margens, Yangshao, Hemudu, Longshan e Liangzhu (Hangzhou e Xangai)
Planíces Centrais: ‘China Proper’ imagem territorial
Cultura Han: Huáxià 华夏文明 (huá xià wén míng) confederação neolítica coletiva das tribos agrícolas Hua e Xia, que se estabeleceram ao longo das Planícies Centrais ao redor das margens média e baixa do rio Amarelo, no norte da China. Cultura étnica dominante até hoje, com 91,6% China, 95% Taiwan, (75% Singapura), contra 55 minorias oficialmente reconhecidas.
Dinastia Han (221 ac. - 207 dc.) ‘expansionismo imperial’: uma série de campanhas e expedições militares no que é hoje o sul da China e o norte do Vietnã, para conquistar as tribos Yue, levando à anexação de Minyue (Fujian) em 135 ac. e 111 ac, Nanyue (Cantão) em 111 aC e Dian em 109 ac.
2. Outras dinastias (Han):
Três Reinos Wei, Shu and Wu (220–280) guerras e conflitos pela unificação da China (proper).
Jin (266–420) migração de hans ao Sul em massa.
Dinastias Norte e Sul (420–589) período de maior expansão ao sul e sinicização dos povos indígenas.
Sui 581–618 império consolidado, governo e burocracia eficiente, exames imperiais.
Tang (618–907) Florescimento das artes, vida cosmopolita, dissolução das características feudais em lugar do confucionismo civil. Budismo e taoísmo como ideologias culturais; época de ouro da literatura e música; mulheres com papel predominante na sociedade; avanços tecnológicos (imprensa)
Liao (916–1125) Primeira dinastia não-Han por mongóis-kithan, administração dividida; igualdade de gêneros.
Song (960–1279) Perda do controle do Rio Amarelo; economia forte, pólvora, navegação, neo-confucionismo; revisionismo e enciclopedismo; academias e centro de difusão das artes e ciências - pintura paisagística, impressão em blocos, imperadores patronos das artes.
Yuan (1271–1368) Conquista mongol, revival do budismo (Tibetano), diversidade religiosa
Ming (1368-1644)
3. Sul da China
Música Han:
Confúcio: “elegante e contida (adequada)”; música de “corte” em meio às culturas autóctones do sul.
meio de regulação e controle social (apoiada na subjetividade/afetividade)
serve aos ritos civis e expressa união “mente e coração”
causa e efeito de uma ordem universal (celestial) que se pretende imutável.
Permeada pelo símbolos e filosofias taoístas
Duas escutas: ‘Canção das Figueiras’ (Md. Tsai Xiao Yue) e ‘Música Cerimonial do
Templo Zhihua”.
Difusão cultural: com a invasão mongol do século 9, os povos do norte migraram em
massa para o Sul um gênero particular “híbrido” surgiu da fragmentação social, com
características e estilos oriundos da música cerimonial mesclados às canções e temas
nativos.
Hibridismo e alteridade: as músicas do norte “hibridizadas” permaneceram nas
expressões de quatro culturas que mantém raízes com o passado ancestral (ideias e
noções confucionistas).
Chaozhou
Minnan
Hakka
Cantão (Yue)
Referências ancestrais: as culturas Han (Zhou) e Tang (Song).
Identificações culturais com o passado na forma de afirmação de identidade (diásporas) pertencimentos, valores e costumes retomados no presente.
Três escutas: ‘Canção de Ninar’ (Etnia Puyuma); ‘Canção do Bambu Roxo’ (JIangsu) e “Luar sob a lagoa tranquila’ (cantão).
// Tony Lee ao órgão de boca Sheng
2o Encontro > «Instrumentos Musicais Chineses e Repertório» Neste encontro abordamos o antigo sistema de classificação dos instrumentos musicais: o Bayin (八音), também conhecido como “sistema dos oito sons”, e que remonta a época dos Zhou (1027-771 a.c). Apresentamos os principais instrumentos musicais presentes na cultura até hoje, bem como os desafios na classificação dos gêneros musicais na atualidade. Este encontro conta com exemplos musicais ao vivo com músicos que tocam instrumentos chineses. Músicos convidados: Tony Lee, órgão de boca Sheng, Juliana Wu, flauta de cabaça Hulusi.
[Classificação: Prático Teórico]
a. Gênese instrumental: narrativas mitológicas
Ausência de ponto zero: os instrumentos surgem e são reinventados continuamente ao longo do tempo, partes de um são montados em outros, e por vezes misturados com por exemplo o ‘Zhongruan’ a Guitarra da Lua.
O Guqin: o mais bem documentado instrumento musical chinês. Com maior longevidade de design, de estrutura inalterada por pelo menos 2.000. Prática histórica contínua e consistente. Notoriedade dentre a elite imperial graças a Confúcio.
Huangdi: “o imperador amarelo” (2697–2597 ac.): em contraposição, a lenda de Huangdi e Linglun (2697 ac.) situa o órgão de boca como instrumento mais antigo e original da China.
‘Escritório da Música’ (Yuefu): órgão imperial, diretamente subordinado ao imperador através de um ministério da música e a nomeação de uma Mestre da Música. Existiu de forma descontinuada ao longo das dinastias, e teve seu ápice durante a Dinastia Han (221 ac. - 207 dc.). O escritório era responsável por diversas atividades ‘culturais’, dentre elas a normatização da música e seus instrumentos (pesos e medidas), interpretação e aplicação correta da teoria musical, a publicação de cancioneiros musicais e compilações de poesia oficiais. Além disso, realizava a manutenção das cerimônias e cultos religiosos propondo revisões práticas e teóricas com base nas doutrinas do confucionismo.
Órgão supra-normativo de função regulatória da sociedade por meio dos ritos.
b. Quatro categorias
Sopros: flautas dizi e xiao, hulusi e órgão de boca
Arcos: família dos huqin.
Cordas: tangidas, pinçadas e percurtidas (alaúdes, guitarras e cítaras)
Percursão: sinos, gongos e tambores
5. Classificações históricas (séc XX): As classificações do Instituto de Música de Pequim
(1950-60) — revisionismo
música folclórica (minjian yinyue)
música acadêmica (wenren yinyue)
música religiosa (zongjiao yinyue)
música palaciana (gongting yinyue)
Expressão da classe operária:
canção foclórica (minge)
ópera tradicional (xiqu)
canções narrativas (quyi)
música instrumental (qiyue)
música de dança (gewu)
6. Repertório
Como se orientar dentro do repertório : classificação em 5 playlists
Onde buscar informação?
Ensemble Gaoshan Liushui CD
Associação Guqin Brasil playlist
Como selecionar músicas (gêneros)
Grupos musicais atuantes
Referências acadêmicas
7. Performances
Guqin: ‘Pingsha Luoyen’
Órgão de boca e Hulusi: ‘Nuvens Correm Atrás da Lua', compositor Nie Er (1912-35).
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